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Do caminhão para o navio
Transporte marítimo cresce com custo menor e entrega porta a porta
24/02/2025 20h09
Por: Clipping Diário Fonte: O novo normal
Foto Ilustrativa

Transporte marítimo doméstico intermodal tem preço de 20% a 30% menor que do apenas rodoviário, e atrai de grandes empresas como Mondeléz e Unilever a outras de menor porte.

Chocolate, biscoito, maionese, açúcar, desodorante, baterias, ração animal, eletroeletrônicos, louças sanitárias e até pá de aerogerador para energia eólica. Um volume crescente de produtos e insumos do dia a dia dos brasileiros e das empresas está circulando entre fábricas e centros de distribuição passando pelo mar.

É efeito da maior adesão de produtores de bens de consumo, equipamentos e matérias-primas à cabotagem, o transporte marítimo de cargas entre portos nacionais, que cresceu 20% entre 2023 e 2024.

Foram 1,55 milhão de contêineres movimentados no ano passado, diz a Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac). Mudanças na regulação e novos modelos logísticos baixaram os custos e aumentaram a frota de navios, que se tornaram alternativas mais atraentes ao caminhão.

— Transportamos a economia brasileira. A depender do volume de carga transportada, o custo fica de 20% a 30% abaixo do rodoviário. As armadoras (operadoras de navios) atuam em sistema multimodal, integrando o marítimo a transportes ferroviário e rodoviário — explica Luis Resano, diretor executivo da entidade, sobre o modelo porta a porta. — Isso permite buscar uma carga em Limeira (interior de São Paulo) e entregar num supermercado em Manaus, mas com custo menor que o do transporte só de caminhão.

O dado considera cargas movimentadas entre portos do país, entre portos brasileiros e do Mercosul e o chamado feeder, que movimenta no litoral do Brasil cargas chegando ou partindo para o exterior. O maior volume é de cargas domésticas em contêineres.

Mão dupla
No fim do mês passado, a fabricante de doces Mondeléz — de marcas como Oreo, Bis e Trident — aderiu à cabotagem numa parceria com a Aliança. Desloca por navios tanto produtos acabados como Club Social, Trakinas e Chocolícia quanto o açúcar usado na produção, aproveitando o modal nas direções norte e sul.

A companhia estima uma redução de 20% nos custos logísticos em 12 meses, em comparação com o frete terrestre.

No Brasil, onde a matriz de transporte é majoritariamente rodoviária, o principal rival do navio é o caminhão. Segundo especialistas, o transporte rodoviário vence em disponibilidade, pela alta oferta, agilidade e preço para distâncias abaixo de 1.500 quilômetros, mas o marítimo tem vantagem em escala, segurança e menores custos e emissões de gases de efeito estufa.

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Cada embarcação tem capacidade para 3,5 mil contêineres de 20 pés (com capacidade de 20 a 28 toneladas), em média, enquanto um caminhão leva o equivalente a dois compartimentos desses, estima a Abac.

— Com escala, o custo unitário na cabotagem é menor. E a disseminação da solução ponto a ponto foi decisiva para oferecer a mesma flexibilidade do caminhão. O rodoviário é um parceiro fundamental — diz Fabiano Lorenzi, da Norcoast, a mais nova das armadoras no país, há um ano no mercado.

Operação ponto a ponto
Esse ponto a ponto já soma 80% das operações das armadoras desse segmento de contêineres no país (Aliança, Log-In, Norcoast e Mercosul Line), diz Resano. A operação montada pela Mondeléz ilustra o sistema. A companhia tem biscoitos e chocolates retirados de sua fábrica em Vitória de Santo Antão, perto de Recife, e levados até seus centros de distribuição em Louveira (SP) e São José dos Pinhais (PR).

No sentido inverso, embarca açúcar de usinas de Pitangueiras e Jaboticabal, interior paulista, até a unidade fabril pernambucana. Esse volume vai de trem até o Porto de Santos (SP) e de navio até o de Suape (PE). Um caminhão completa a jornada até a fábrica. A Mondeléz espera movimentar entre 30 e 40 contêineres por mês quando a operação estiver 100% implementada.

Mas o navio exige planejamento. Enquanto um caminhão faz esse ponto a ponto do açúcar em nove dias, a cabotagem faz em 21. Ainda assim, Claudio Pena, coordenador de Supply Chain Excellence da Mondeléz, considera que o transporte marítimo para longas distâncias facilitará a distribuição da empresa, cujo plano é dobrar de tamanho até 2030.

Segundo a Abac, a cabotagem cresce dois dígitos desde 2008, mas ainda representa pouco mais de 10% das cargas no país. Há dois anos o modal ganhou novo fôlego com a aprovação no Congresso da chamada BR do Mar.

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A nova lei permitiu que as armadoras afretem navios estrangeiros, ampliando as frotas sem ter de investir em embarcações próprias, desde que operem no país com tripulação brasileira, diz Resano. Num par de anos, 7 embarcações foram incorporadas às empresas do setor no país, somando 22.

— A BR do Mar provocou mais concorrência, o setor se tornou mais competitivo, e o custo baixou — diz Resano.

Setor aquecido
Nos últimos anos, operadoras brasileiras foram adquiridas por estrangeiras: a Log-In pela suíça MSC; a Aliança pela dinamarquesa Maersk; e a Mercosul Line pela francesa CMA CGM. A Norcoast é uma joint venture da brasileira Norsul e da alemã Hapag Lloyd.

— Quanto maior a demanda, maior o potencial de botar mais navios. Isso amplia o número de frequências, reduz prazos e custos, tornando a cabotagem mais competitiva — diz Mauricio Lima, sócio diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). — A diferença para o caminhão é a escala regular. É o cliente que se adapta à escala dos navios. O desafio é coordenar a logística porque é preciso mais estoque para obedecer o tempo desse transporte, e isso tem custo.

Esse planejamento não é simples. A Mondeléz iniciou as conversas com a Aliança ainda em 2023, mas os embarques começaram este ano. Luiza Bublitz, presidente da Aliança, diz que o desafio é tornar a cabotagem mais conhecida, pois ainda é associada à importação e exportação:

— No Brasil, ela representa apenas 12% da matriz de transportes. No Japão e na China, fica em mais de 44%. Nos EUA, 32% — ela diz. —Na cabotagem, os produtos sofrem menos avarias, caem as despesas com roubo e com seguro para a carga, havendo ainda reduzida emissão de carbono.

A Unilever — dona de marcas como Dove, Comfort, Omo e Hellmann’s — há dez anos transporta itens de navio entre Sudeste e Nordeste e para abastecer a Amazônia.

— Existe uma complexidade na utilização da cabotagem, pelo maior lead-time (tempo de transporte ponto a ponto) do que seu correspondente terrestre. Dependendo da rota e do produto envolvido, isso exige mais estoques na cadeia para manter o nível de serviço ao cliente — conta João Nascimento, diretor de Logística da Unilever no Brasil.

Ele acrescenta que, nos dois últimos anos, a companhia também passou a usar navios para algumas matérias-primas:

— A cabotagem consegue ser até 25% mais eficiente em custos comparado ao rodoviário. Além disso, reduz emissões de CO2 em relação ao rodoviário em até 85% por quilômetro.

Logística reversa
No Grupo Moura, de baterias, desde 2015, o volume de cargas transportado nesse modal cresceu 12 vezes, representando hoje 15% do total movimentado, diz Marcelo Lima, gerente-geral de Logística da empresa, que também usa navios para logística reversa de insumos até seu complexo fabril em Pernambuco.

A cabotagem se abriu para empresas de menor porte com o contêiner fracionado, que pode ser um diferencial competitivo para quem leva cargas menores, diz Ezra Azury Benzio, diretor de Compras e Logística da Benduk, de Manaus, distribuidora de produtos como ração e medicamentos para o varejo voltado para pets.

— Nessa região, a cabotagem faz muita diferença. Aderimos há três anos. Antes, nosso produto ficava mais caro que o da concorrência. Em 2024, atingimos redução de 20% no custo logístico, o que nos tornou competitivos — diz. — E tem alívio no frete de retorno. Um contêiner vazio custa pouco. Um caminhão vazio na volta custa muito.

Limite climático
A geografia faz Manaus depender fortemente de embarcações para o fluxo de matérias-primas e produtos. É o principal modal usado pelas empresas da Zona Franca.

— Em Manaus, no início de 2023 eram duas saídas por semana no setor. Agora são quatro — destaca Felipe Gurgel, diretor comercial da Log-In. — Cabotagem só não cresce mais porque temos sofrido efeitos de mudanças climáticas, como as secas recentes no Amazonas. Mas já encontramos soluções, com um píer flutuante.