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Empresas travam corrida por novo terminal de GNL do Pecém, no Ceará
Shell e bp encabeçam novos projetos, enquanto Petrobras perde, a partir de 2023, exclusividade na operação de píer
19/07/2024 15h19
Por: Clipping Fonte: epbr
Divulgação/Petrobras

A disputa entre ampliar os atuais terminais ou leiloar um novo espaço para evitar um gargalo se arrasta desde o governo passado e isso, na visão de analistas, ajuda a travar a ampliação de Santos — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

RIO —  A um ano do fim da exclusividade da Petrobras na operação do píer 2 do Porto do Pecém, no Ceará, concorrentes da estatal se mobilizam para instalar um novo terminal de regaseificação de GNL no complexo.

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A expectativa no mercado é que haja uma corrida pelo desenvolvimento do negócio. Ao menos dois projetos estão sendo discutidos com o CIPP, empresa responsável pela gestão do complexo portuário. Ambos envolvem, do ponto de vista do suprimento,  dois grandes fornecedores globais de gás natural liquefeito (GNL):

A Shell tem contrato para fornecimento de GNL à termelétrica de 1,6 GW que o consórcio Portocem negociou no leilão de capacidade de dezembro de 2021, com previsão de entrada em operação em 2026. A Ceiba Energy, líder do Portocem, planeja um terminal no porto, para garantir o abastecimento à usina.

A OnCorp, por sua vez, também tem planos de construir um terminal de GNL no porto e quer se colocar como fornecedora da infraestrutura de regaseificação, com capacidade estimada em 13 milhões de m3/dia;

A bp assinou, no início do ano, um memorando de entendimento com o governo cearense para instalação  de um hub de gás no Porto do Pecém. A ideia é construir um terminal de GNL, associado a um projeto termelétrico de 2,2 gigawatts (GW). A multinacional já participa, hoje, de um projeto termelétrico associado à importação de GNL no Porto do Açu (RJ), por meio da Gás Natural Açu (GNA).
“Foi dada a largada”

O Porto do Pecém é um Terminal de Uso Privado (TUP) e não há necessidade de um processo licitatório para decidir quem vai construir o terminal. Os projetos são negociados bilateralmente com o complexo portuário.

O presidente do CIPP, Danilo Serpa, disse à agência epbr que o Porto do Pecém possui capacidade de investimentos e área suficiente e disponível para abrigar mais de um terminal.

“O empreendimento que demonstrar viabilidade, teremos condições de abrigar no nosso terminal portuário, da forma mais eficaz e eficiente possível”, disse.

A questão é que se há espaço mercadológico para dois terminais no estado.

“Vai arrendar o píer para instalação do terminal quem conseguir, em tese, apresentar o projeto mais maduro e viabilizá-lo de forma mais rápida e eficiente. Foi dada a largada da corrida”, comentou um executivo de uma das empresas envolvidas nas negociações, sob a condição de anonimato.

A demanda por GNL no Porto do Pecém

Os projetos em estudo miram não só o mercado existente, mas também as perspectivas de expansão, sobretudo do setor termelétrico.

Além do acordo vinculante para fornecimento exclusivo de GNL ao consórcio Portocem, formado por Ponte Nova Energia e Ceiba Energy,, a Shell também mira o mercado das distribuidoras.

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A empresa está em negociações com a Cegás (CE), para fornecimento de gás à concessionária estadual – cujo mercado não-termelétrico é da ordem de 550 mil m3/dia. A multinacional é a segunda maior produtora de gás do Brasil e tem contratos de fornecimento, hoje, com a Copergás (PE), Bahiagás (BA) e, no mercado livre, com a Unigel. A intenção da empresa é compor um mix de suprimento que mescle a produção do pré-sal com a importação de GNL.

A BP, por sua vez, tem acordo de suprimento fechado com a Positiva Energia do Pecém S.A. — que planeja cadastrar três usinas, que somam 2,2 GW no complexo portuário, nos leilões de energia nova deste ano.

Além disso, o estado do Ceará possui, hoje, duas importantes usinas a gás: a Termoceará (220 MW), da Petrobras, e a Termofortaleza (327 MW), que está sendo vendida pela Enel à Eneva. Ambas ficarão descontratadas a partir dos próximos anos e precisarão ser renegociadas nos leilões ou no mercado livre.

O secretário de desenvolvimento econômico do Ceará, Francisco Maia Júnior, acredita que o parque termelétrico existente no Ceará, mais Portocem, já justificam o investimento num novo terminal de GNL no estado.

O futuro da Petrobras no Pecém

Ainda não está clara qual será a posição da estatal, após o fim da exclusividade da operação do píer 2 do Porto do Pecém, em junho de 2023. Procurada, a companhia preferiu não comentar sobre o assunto.

A petroleira vem de uma relação desgastada com o governo cearense. O terminal da Petrobras em Pecém é histórico. Foi a primeira planta de regaseificação construída no país, com capacidade para 7 milhões de m3/dia.

Nos últimos anos, contudo, o ativo passou a ser subutilizado. Desde 2020, importa menos de 1 milhão de m3/dia, na média, segundo dados do Ministério de Minas e Energia.

Em 2021, o governo cearense se queixou do fato de a Petrobras ter retirado o navio regaseificador de Pecém, sem explicações, por alguns meses.

A expectativa de Maia Júnior é que a Petrobras está de saída do mercado cearense. Segundo ele, o estado precisa, desde já, trabalhar na garantia do suprimento.

“Temos dois protocolos, um deles firmado com a BP, que se compromete a montar um terminal de suprimento de gás não só para atender o Ceará como também para atender as regiões vizinhas. A Shell firmou o mesmo entendimento.

A nossa expectativa é que tanto a Shell como a BP possam ser, a partir dessa infraestrutura que o Ceará tem, os novos supridores de gás, com a definição inclusive da Petrobras de retirada desse mercado no Nordeste… A Petrobras não vem garantindo o suprimento de gás natural há alguns anos, apesar de ter um FRSU [navio regaseificador] alocado no Pecém até junho de 2023”, comentou.

O secretário conta que a Shell está em fase final de negociação, para assinatura de pré-contratos para instalação do projeto em Pecém.

Procurada, a Shell informou que, no fim de maio, executivos da companhia e do consórcio Portocem se reuniram com o governo do Ceará “para discutir aspectos do projeto e reiterar apetite na região”.

A BP esclareceu, por sua vez, que o Ceará é uma região estratégica para o crescimento e desenvolvimento do portfólio da empresa no Brasil. A companhia cita que segue avaliando as oportunidades relacionadas ao projeto termelétrico no estado e que, em relação a outros projetos, de terceiros, no Pecém, “acompanha de perto as movimentações do mercado e está sempre atenta à novas oportunidades de investimento”.

Fim dos “privilégios”

Existe uma dúvida, no mercado, sobre o que será feito do terminal existente a partir de 2023 – já que, uma eventual nova planta de regaseificação não ficará pronta a tempo.

Serpa, do CIPP, prefere não comentar sobre o futuro da relação com a Petrobras, em razão de acordos de confidencialidade.

“Mas posso adiantar que já possuímos um planejamento bem pensado para as operações de GNL no Porto do Pecém”, disse.

Em 2021, no contexto da crise hídrica, o governo federal determinou a abertura excepcional do acesso do terminal de Pecém a terceiros.

Segundo fontes, a OnCorp acredita ser possível reaproveitar parte da estrutura existente. A empresa quer tomar uma decisão sobre o investimento no novo terminal de GNL do Pecém em até 60 dias.

Seja quem for o novo dono do terminal, segundo Maia Júnior, o governo cearense não tem a intenção de fechar um novo acordo de exclusividade para operação no porto – a exemplo do contrato vigente com a Petrobras.

“O Brasil criou uma cultura de privilégios nas áreas públicas. O Ceará não tem esse privilégio. Demos esse privilégio para a Petrobras exclusivamente, porque ela se comprometeu em fazer uma refinaria no Ceará [a Premium]. E não fez. Agora a Petrobras, se quiser, vai operar nas mesmas condições dos outros”, afirmou.
Pomini também afirma que as ampliações de capacidade previstas são suficientes para atender a demanda até 2035. Além dos projetos futuros em estudo, já estão contratadas obras de ampliação na Santos Brasil, na BTP e no terminal privado da DP World.

A percepção, porém, é questionada por parte das empresas e especialistas. Luis Carlos Montenegro, diretor da Neowise e consultor da TIL no Brasil (subsidiária da MSC), afirma que hoje a ocupação já é crítica e que só tende a piorar. Ele aponta que o tempo de fila dos navios neste ano chegou a 24,3 horas. “Estamos muito acima do limite. Em 2023 chegamos a uma taxa de ocupação de 87%, isso não existe no mundo, é caótico. Várias cadeias de produtos dependem disso, é um impacto generalizado.” Ele explica que a taxa de ocupação ideal é de 63%, para não haver filas.

Na atual conjuntura, todas as respostas precisam ser analisadas”

— Roberto Levier

Com essa margem, a projeção de Montenegro é que, mesmo com as expansões contratadas e o eventual adensamento da BTP, a capacidade está aquém da demanda projetada. E mesmo se o projeto original do STS 10 saísse do papel, a perspectiva é que haveria um alívio só até 2035.

“O STS 10 daria a Santos um respiro de dez anos”, diz Patrício Júnior, diretor da TIL. Segundo ele, mesmo que o desenho do terminal seja alterado para comportar o terminal do Concais - atendendo parte do plano da APS - é possível manter a capacidade inicialmente prevista e aliviar a situação.

Já Antonio Carlos Sepúlveda, presidente da Santos Brasil, defende que a ampliação dos terminais existentes é um plano melhor e mais rápido. “Três terminais funcionam mais do que quatro, porque permite concentrar a carga de transbordo. O STS 10 também é uma solução mais demorada, os adensamentos atendem de forma mais célere.”

Ele nega que trabalhe contra o projeto por interesse próprio. “Não defendemos o não desenvolvimento do porto para ter vantagem, a prova disso é o plano de investimento que será antecipado para que o porto não tenha filas. Está se criando uma narrativa para gerar instabilidade.”

Entre analistas do setor também não há consenso sobre o melhor plano. Para Marcos Pinto, diretor da Alvarez & Marsal, o novo terminal não necessariamente significa que os armadores irão trazer carga adicional ao porto. “Seria importante garantir que é volume adicional, e não deslocado de outro terminal. A licitação não dará essa garantia.” Para ele, faltam ao Brasil arranjos jurídicos para isso.

Na visão de Roberto Levier, Coordenador do MBA de gestão portuária da FGV-SP, os planos não precisam ser excludentes, dada a expectativa de alta da demanda. “Na atual conjuntura, todas as respostas precisam ser analisadas. Não podemos deixar o parque industrial desabastecido.”

Procurada, a Maersk afirmou, em nota, que o congestionamento no Porto de Santos é uma questão estrutural. “A realidade nos diz que as cargas estão sofrendo para serem escoadas há tempos”. A empresa também pede “o cumprimento do planejamento público e a ampliação da capacidade em Santos para cargas conteinerizadas, sob o risco do Brasil perder competitividade. Nesse sentido, o maior projeto do portfólio do setor portuário brasileiro é o STS10”.

O Ecorporto disse, em nota, que sua transferência para a nova área “não impede a expansão das operações de contêineres e ainda resultaria em ganhos de eficiência” e disse que hoje é “o único terminal multipropósito da região com experiência para operar cargas especiais e de grandes dimensões”.

O Ministério dos Portos e Aeroportos não se manifestou.