Desde 2023, o discurso em todos os níveis de governo é pela reindustrialização e neoindustrialização do Brasil.
Recursos e incentivos são previstos; a importância dos investimentos privados, nacionais e internacionais, é destacada; e a necessidade de melhoria da infraestrutura e logística são consideradas imprescindíveis por governos e iniciativa privada. Há uma unanimidade que não é burra!
Porém, quais têm sido os resultados práticos decorrentes desse consenso?
No setor portuário, terminais públicos e privados têm investido fortemente em produtividade.
Novos TUPs estão sendo autorizados. As renovações de concessões rodoviárias e ferroviárias preveem ampliação e diversificação da matriz de transportes nacional. Há incentivos à navegação de cabotagem.
O MPor criou uma Secretaria específica para tratar de hidrovias. Enfim, várias iniciativas estão sendo tomadas na busca por criar condições para que o planejamento estratégico “saia do papel”, em vez de ser constantemente revisado, por não atingir os resultados esperados.
Porém, na prática, as coisas não têm acontecido com a objetividade e agilidade almejadas.
Mesmo ao nível governamental, consta que a execução orçamentária nos setores de infraestrutura (transportes, geração e distribuição de energia, entre outros) tem sido recorrentemente prejudicada pela imprevisibilidade que nosso arcabouço legal propicia, entre outros fatores (burocracia, licenciamentos, judicializações, etc.).
É basicamente a mesma coisa no caso da iniciativa privada. A diferença é que os empresários e investidores são mais sensíveis e ágeis no fazer ou não fazer, de acordo com seus interesses estratégicos e riscos associados. Assim, cabe aos governos entender e atuar em favor dos interesses do país.
Como conciliar os cronogramas de obras e investimentos para atingir as metas propostas num cenário como esse?
No caso específico de reindustrialização e neoindustrialização, em que estágio estamos?
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Já temos toda a infraestrutura logística e energética necessária para viabilizar esse projeto?
O arcabouço legal atual favorece essa proposta? Em caso negativo, o que está sendo feito para revisá-lo, de forma a que potencialize o efetivo desenvolvimento sustentado do Brasil, com evolução científica, tecnológica, formação educacional, qualificação profissional e geração de empregos?
No caso da reindustrialização, é compreensível que certos setores da indústria temam eventual concorrência com corporações internacionais no mercado interno, ou a necessidade de investir em modernização e P&D em adendo às obrigações tributárias e trabalhistas atuais. Nem tudo é encarado como oportunidade, quando o ambiente não favorece.
No caso de São Paulo, houve um processo de desindustrialização, com empresas indo para outros estados. Nacionalmente, muitas empresas foram prejudicadas por importações de produtos industrializados, sobretudo da China. Em vez de reduzir a carga tributária nacional, favorecendo os consumidores e as exportações, o governo aumentou o imposto de importação, sempre com o objetivo de arrecadar mais.
O ideal é criar condições para a expansão da economia interna. Será que já fizeram a conta de quanto a expansão da economia e o aumento de empregos formais compensariam uma eventual redução da carga tributária e dariam sustentabilidade ao sistema previdenciário?
Criar condições para a retomada de certas produções industriais inviabilizadas pelas importações se enquadra na proposta de reindustrialização.
Já no caso da neoindustrialização, esse temor pode, sim, ser convertido em oportunidade, a partir do prefixo “neo”, que designa novo, portanto, que não tenha produção nacional.
Na época da Segunda Guerra Mundial, o Brasil precisou produzir internamente o que o conflito restringira importar: a chamada substituição de importações. Não deixou de ser um tipo de neoindustrialização que foi positiva para a economia nacional, além de gerar novos e melhores qualificados empregos, ou seja, também teve impacto social positivo.
O incremento da indústria automobilística no Brasil, na década de 1950, e a criação da Embraer, em 1969, também podem ser considerados como parte de um processo de neoindustrialização.
É sempre bom lembrar da “métrica” que afirma que para cada emprego gerado pela indústria, entre três e quatro são gerados em outros setores.
O Brasil não pode depender apenas do agronegócio ou da expectativa de atendimento de demandas energéticas de países desenvolvidos. A economia precisa mais de “oxigênio” do que de hidrogênio. O Brasil tem sede disso, o que permite juntar ambos.
Um dos principais problemas que tem prejudicado o desenvolvimento econômico de nosso país é o sentido que é dado à expressão “desenvolvimento sustentado”. Considerando a dificuldade de transformar planos estratégicos em ações efetivas, às vezes nem há desenvolvimento, muito menos sustentado.
Vários diagnósticos já devem ter sido feitos por governos, empresários e pesquisadores, não tenho dúvida. Mas eles “conversam” entre si? Há um consenso entre a identificação de problemas e soluções para superá-los? E, principalmente, eles estão sendo considerados para promover as mudanças estruturais necessárias?
Seguramente, a solução passa pelos Três Poderes, principalmente pelo Legislativo, mas também contando, de forma não menos importante, com uma mudança de postura do STF, e até da forma como ele é constituído.
A independência entre os poderes é basilar, mas o ideal é que eles atuem em harmonia, em nome do país, e não de convicções, interpretações pessoais, interesses corporativos ou simples busca e manutenção de poder. Afinal, as vidas de quase 220 milhões de brasileiros dependem da decisão dos membros dos Três Poderes, o que é uma enorme responsabilidade, e não um “cheque em branco”.
Para mudar o cenário atual, serão necessárias revisões de leis, emendas constitucionais e, no limite, até uma nova Constituição voltada para cenários futuros de desenvolvimento, estabilidade social e prosperidade.
Isso é necessário, urgente, para superar a constante percepção de instabilidade jurídica, que só interessa a quem não tem compromisso com a evolução de nosso país, por mais que creiam em suas boas intenções, na relevância de suas crenças ou no poder de seus cargos.
Outra alternativa seria um pacto pelo desenvolvimento sustentado, mas sempre haverá o risco de interesses sectários não o respeitarem.