Em um mundo cada vez mais globalizado e conectado, em que o acesso à tecnologia impulsiona o crescimento e gera valor por meio da produtividade, a eficiência das operações portuárias passa pela revisão na forma como o trabalho portuário é realizado dentro dos portos brasileiros.
O avanço da logística portuária extinguiu do contexto portuário algumas atividades e funções importantes no passado, impondo a necessidade de redimensionamento dos quadros de trabalhadores portuários avulsos e adequação do trabalho aos modernos métodos de manipulação de carga.
Como exemplo, destaca-se a atividade do bloco, conceituada legalmente como limpeza e conservação de embarcações mercantes e de seus tanques, incluindo batimento de ferrugem, pintura, reparos de pequena monta e serviços correlatos, atualmente não mais existentes na realidade da maioria dos portos brasileiros.
A introdução dos contêineres, maior disrupção do setor portuário, reduziu drasticamente o trabalho braçal e o quantitativo de trabalhadores nas equipes de trabalho.
Como uma das alternativas para adequar o contingente de mão de obra aos modernos processos de manipulação de cargas e aumentar a produtividade e eficiência das operações portuárias, a Lei nº 8.630, promulgada em 1993, conhecida também como Lei de Modernização dos Portos, instituiu a multifuncionalidade ao trabalho portuário, que consiste na possibilidade de um mesmo trabalhador exercer, depois de devida capacitação técnica, diferentes funções, em atividades distintas da sua originária.
No cenário internacional, considerando ser uma das medidas necessárias e eficazes para o futuro sustentável do trabalho portuário, a multifuncionalidade do trabalho portuário é uma realidade desde a década de 70, quando a Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicou a Convenção 137 e a Recomendação 145 - que dispõe sobre “Repercussões Sociais dos Novos Métodos de Processamento de Carga nos Portos”.
No entanto, o que se evidência ao longo de quase três décadas, é que a implementação plena desta importante ferramenta que cria a oportunidade de sustentabilidade do sistema de mão de obra avulso se mostrou ineficaz, seja em razão de uma cultura arraigada no âmbito sindical de invasão de uma categoria profissional pela outra, seja pela condição vigente até a edição da Lei nº. 14.047/2020 (denominada minirreforma portuária), de necessidade prévia de negociação coletiva.
Isso porque, ao longo dos anos o que se percebe é que na maioria dos portos brasileiros houve resistência dos sindicatos laborais em pactuar a multifuncionalidade e/ou pactuá-la para todas as funções, negando a possibilidade de trabalhadores de outra atividade concorrem às escalas de trabalho.
Visando corrigir essa amarra legal, a Lei nº. 14.047/2020, inseriu o § 5º, no art. 40, da Lei nº. 12.815/2013, disciplinando que a multifuncionalidade não é mais matéria sujeita a negociação coletiva, podendo ser implementada de forma automática pelos OGMO’s, bastando que o trabalhador portuário avulso possua as qualificações necessárias para concorrer as escalas de trabalho pela multifunção.
A inserção deste dispositivo legal revela a importância da multifuncionalidade para as operações portuárias, pois editada por ocasião da pandemia da COVID-19, buscando suprir demanda de mão de obra nos portos em razão das restrições ao trabalho impostas aos trabalhadores pela idade e pelo quadro de comorbidades.
Em uma análise superficial, esse dispositivo legal parece se chocar com o art. 43 da mesma lei, que continua vigente, exigindo a negociação entre entidades representativas dos trabalhadores portuários avulsos e dos operadores portuários.
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Contudo, entendendo-se que a matéria deve ser analisada de forma sistemática com os dispositivos constitucionais previstos no artigo 7º artigo, XXVI e artigo 8º, III, ambos da Constituição Federal e com o recente julgado do Supremo Tribunal Federal no Tema 1046, que privilegiaram a autonomia coletiva de vontade e a prevalência dos acordos e convenções coletivas de trabalho.
Apenas na ausência de regras convencionais, caberá ao OGMO livremente implementar a multifunção, com base no art. 33, inciso II, alínea “b”, da Lei n. 12.815/2013 e art. 5º, da Lei n. 9.719/98, observada a qualificação do trabalhador.
Entretanto, cabe o registro de que não é possível as normas coletivas pactuarem pela impossibilidade de adoção da multifuncionalidade no trabalho portuário e, sim, apenas quanto as regras para sua implementação.
Em relação a ordem de prioridade em que o trabalhador multifuncional concorrerá as escalas de trabalho, a reflexão que se propõe é se há espaço para interpretar que o termo “vedada a exigência de novo registro ou cadastro específico”, reflete a possibilidade de os trabalhadores multifuncionais concorrerem à escala em igualdade de condições com os trabalhadores da atividade de origem, seja registrado, seja cadastrado.
Este talvez seja este o espírito da multifuncionalidade, a existência de uma categoria única de trabalhador portuário, os quais desempenham diversas funções dentro da área do porto organizado.
A verdade é que não há mais tempo nem razão para que a multifuncionalidade não seja aplicada no âmbito portuário. Por mais arraigada que seja a cultura dentro dos sindicatos, por mais que existam algumas amarras legais, a crescente automação e o uso da tecnologia exigem a otimização da mão de obra, visando garantir a sustentabilidade do sistema de mão de obra avulso.
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