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Deixados para TRÁS?

por: Adilson Luiz Gonçalves Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras

12/04/2025 11h12
Por: Colunistas
Imagem gerada por IA
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Esse título nada tem a ver com questões apocalípticas, literatura ou cinematografia afins, mas pode ser associado à evolução das atividades humanas ao longo da História, suas causas e consequências.

Mesmo em termos bíblicos, depois de expulsos do Éden, Adão e Eva foram obrigados a trabalhar duro para obter seu sustento.

A evolução da civilização até o presente incluiu diferentes modelos de relação entre seres humanos, embora a “Lei do mais forte” sempre esteja presente, ora de forma mais opressiva, ora atenuada. Mesmo nos regimes cujo discurso é de igualdade, sempre há uma elite dominante ditando regras para os outros seguirem.

Pode-se dizer que ao longo desse tempo, a relação efetiva sempre foi poder-trabalho. Isso vale tanto para a relação nobreza-plebe-escravidão, como para a capital-trabalho.

Mas há uma relação cuja influência é cada vez mais evidente, dinâmica e dramática para o ser humano: tecnologia x emprego.

A cada mudança da tecnologia dominante, sempre alguém ficou para trás, ou teve que se reinventar. Também há os que chutam tudo para o alto e vão viver de contemplação, eremitas ou em comunidades alternativas ou tradicionais, alguns até exigindo financiamento público para sustentar suas opções de vida.

Richard Sennett, em seu livro “A Cultura do Novo Capitalismo”, considera que o modelo econômico atual criou novos “traumas” sociais e emocionais.

Bem, os modelos concorrentes também não ficam muito atrás, até porque os traumas preexistentes permanecem. Tanto em regimes democráticos como em ditaduras de direita, esquerda ou de fundamentalismo religioso, as pressões existem, físicas e psicológicas.

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A evolução tecnológica impacta todos esses modelos de alguma forma. Mesmo os mais anacrônicos não abrem mão da tecnologia, sobretudo no âmbito bélico dissuasivo/agressivo, superando investimentos em segurança alimentar, saúde e  educação. A fome e a ignorância também são poderosos instrumentos de dominação de massas!

Afora esses aspectos políticos, ideológicos e religiosos pouco evoluídos, embora há quem considere progressistas, justificados, ideais ou menos piores, não há como negar que a evolução tecnológica afeta o ser humano de múltiplas formas.

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Imaginem um mundo sem computadores, telefones celulares, satélites, medicina diagnóstica, alertas de eventos meteorológicos e geológicos extremos, mídias, veículos automotores, internet, redes sociais, energia elétrica, adução de água e tudo o que esses recursos nos permitem e dão acesso?

A literatura e o cinema têm sugerido que sem a tecnologia o mundo seria um caos total, um retorno à selvageria.

Comprovando essa tese, qualquer “apagão” energético gera comoções e prejuízos que fazem crer que esse cenário apocalíptico é bem possível, infelizmente até tendencial.

Em suma, a evolução tecnológica é indispensável, porém é preciso se adaptar sob pena de ser deixado para trás. Ela tanto nos deu chance deixar novamente as cavernas, inclusive a metafórica de Platão, como nos aprisionou de novas maneiras, instrumento de patrulhamento “orwelliano”, que tanto nos entretém, mas que pode nos distrair de perigos evitáveis.

As novas gerações, em princípio, têm melhores chances de “sobrevivência” nesse horizonte tecnológico, o que não impede que os mais experientes se adaptem. De certa forma, sua vivência favorece essa flexibilidade, e a convivência entre gerações foi e é salutar em qualquer época.

Resistir não é uma opção, a menos que questões éticas e religiosas sejam determinantes.

Há algumas décadas, robôs eram temas de ficção científica. Atualmente, a automação, a robótica e a inteligência artificial estão cada vez mais presentes no cotidiano, em todos os setores, por vezes desumanizando as relações. Há muito se fala em singularidade ser humano-máquina, com implantes internos. Considerando que já existem dispositivos autônomos que monitoram os sinais vitais, isso é uma questão de tempo, pouco tempo.

Como estar preparado para essa transição frenética, e não ficar para trás, na fila do desemprego, dependendo de programas sociais, massa de manobra de políticos populistas, mistificadores, ou coisa pior?

Não é fácil até porque a evolução tecnológica exige atualização constante, mesmo da parte de usuários. Nesse contexto, a automação, a robótica e a IA são assustadoras para quem atua em atividades braçais ou repetitivas.

Isso ocorreu em cada revolução industrial, aliás, embora algumas profissões tenham permanecido, até com certa valorização de mercado.

Infelizmente, a angústia gerada pelos “traumas sociais e emocionais” sugeridos por Sennett têm favorecido outros “mercados” e “atividades alternativas”, gerando novos problemas para a sociedade: tensões e sequelas.

Esse autor avaliou as demandas desse “novo capitalismo”, das quais destaco duas: a necessidade de contínuo aprendizado e a capacidade de abandonar a própria história.

Esta última talvez seja a mais complexa, embora muito comum, e não é de hoje. Fato é que graduados em certas áreas que não têm mercado de trabalho, são obrigados a buscar outras formações e profissões. Também haverá ativistas que resistirão às mudanças, ou tirarão proveito oportunista delas, tornando-as um meio de vida, pela militância política ou religiosa.

Historicamente, a relação tecnologia-emprego envolveu a descontinuidade ou redução de importância de algumas profissões, e o surgimento de outras cada vez mais especializadas. Ao longo desse processo, a população mundial foi crescendo e se adaptando ou não a essa evolução. Revoluções e guerras têm sido uma das consequências desse processo, quando ocorre de forma assimétrica.

As inovações tecnológicas são tão inspiradoras, quando encaradas como desafio, ou  “transpiradoras”, pelas incertezas riscos difusos associados, o que faz lembrar da frase: “Para cada solução surgem novos problemas”. Nesse sentido, um dos desafios é tentar antecipá-los e mitigá-los.

Os conceitos de “Indústria 4.0” e “Porto 4.0” envolvem automação, robótica e IA em larga escala: incluindo complexos “fantasmas”, com maciça redução de empregos convencionais. Há que se considerar que a IA pode ser extremamente útil para a solução de aspectos que prejudicam nossas vidas e questões estratégicas, que envolvem questões legais e interesses corporativos.

O entendimento desse paradoxo entre evolução tecnológica e seus efeitos sociais engendraram o conceito “5.0”, buscando alternativas para mitigar tensões e reflexos negativos em outros setores da economia. Todos estão interconectados, de forma que não adianta produzir mais, melhor e mais barato, se não tiver quem compre.

A economia também terá que se adaptar, sob pena de uma desestabilização de consequências imprevisíveis, com impactos sociais e ambientais que não podem ser negligenciados por governos e corporações.

Evolução, sim e sempre! Mas de forma humanizada, para que ninguém nunca seja deixado para trás.

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Adilson Luiz Goncalves
Sobre Adilson Luiz Goncalves
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